18 de out. de 2007

da foto pro texto



de Juliana Simonetti
Para lavar a alma

Aos domingos, ela tinha encontro marcado com seu cesto de roupa suja. Um amontoado de cores com as quais se pintou durante a última semana.
Separava as fantasias entre as que deixam nódoas e as que devem permanecer claras, as íntimas e as dedicadas ao dia-a-dia, as que precisam e as que não precisam de comfort. Um monte para as que exigem sabão de coco e afago das mãos para não se desmancharem.
Peça a peça, ela ia revolvendo cheiros de preguiça, de cigarro, de travesseiro, de cooper matinal, de sexo, de cansaço e de ontem.
Na área de serviço, eram despidas as expectativas da semana.
A calça de flanela xadrez que foi a aconchegante companhia do sábado à tarde (depois que o amor foi embora sem deixar telefone) enlaçava o sutiã de renda – peça que fora comprada numa quinta de calça jeans para a noite de sexta, que desfilou de preto decotado.
A camiseta vermelho-branco-vermelho depois de dançar a mais nova bandinha de Londres com mocinhos paulistanos de cabelo moderno descansava ao lado da camisa preta que usou no dia em que pediu aumento ao patrão.
No meio de tantas, a calça sintética de ginástica, que vestiu o sonho de pernas mais firmes e torneadas, atropelou a calça de algodão que ela usou para escutar vinil de Caetano no fim de uma tarde de solidão.
No fundo do cesto, a meia solteira de lã tricotada pela avó e reservada para dias de pés no chão até ousou fazer par com a meia fina preta, exigida em ocasiões calçadas em rígido bico fino.
Com todas as peças separadas, ela passou a inundar a área de serviço com o cheiro de lavanda em pó. Afogou as frustrações em água corrente. Colocou de molho um tanto de expectativas, enxaguou diversas vezes as decepções.
Escova para eliminar rancores, água sanitária para esclarecer.
Despejou uma boa dose de amaciante para retirar o cheiro dele de seu sutiã preto. Acrescentou uma picadinha de sal grosso para levar o mal olhado e não deixar a cor escapar.
Esticou o vermelho-branco-vermelho no varal pra dançar com o vento. Colocou a calça de algodão onde o entardecer se demora na despedida, assim o tecido guardaria o cheiro do sol. Procurou a sombra para que os vermelhos, azuis, amarelos e verdes intensos não desmaiassem. Passo a passo, prendeu as últimas meias.


Antes da noite lavar o mundo de sereno, ela recolheu novas expectativas do varal.

2 comentários:

Anônimo disse...

não prende, prendedor fora do eixo.
longe do varal, prendedor no parapeito.

(desprende comigo?)

Anônimo disse...

uma boniteza de texto...